SENTENÇA
Processo: 1000573-75.2023.8.11.0020
O MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, por intermédio de seu representante nesta
Comarca, ofereceu denúncia em desfavor de LUAN
FELÍCIO FRANCELINO, já
devidamente qualificado nos autos, imputando-lhe a prática do crime tipificado
no artigo 147, caput, do Código Penal, com as cominações da Lei Federal
nº 11.340/2006.
Emerge da incoativa que:
“(...) no dia 09 de fevereiro de 2023, por volta das
13h30min, na Rua E, s/n, Bairro Maria das Graças, Município de Alto
Araguaia/MT, Luan Felício Francelino ameaçou, por palavra, a Sra. Silvana
Jessica Vicente Breda, sua ex-companheira, de causar-lhe mal injusto e
grave. (...)”.
Concluídas as
investigações, o MPE ofereceu denúncia (id. 158864933), cujo recebimento se deu
em 13.06.2024 (id. 158897379). Citado, o acusado, por intermédio de defensor
constituído, apresentou resposta à acusação (id. 160133161).
No curso da instrução, foi
realizada a oitiva da vítima, testemunhas e interrogatório do acusado (id.
186656903).
Encerrada a instrução criminal,
o Parquet apresentou alegações orais, ocasião em que postulou
pela condenação do acusado, nos termos da exordial acusatória, acrescentando a
reprovabilidade da conduta em razão do uso de bebida alcoólica pelo acusado e
também pelo ciúme exacerbado, pelo que requereu a majoração da pena nas 1ª e 2ª
fase dosimétrica (id. 186641126).
A defesa, por sua vez,
fundamentando no princípio favor rei, a seu ver aplicável ao caso em razão da
ausência de outros elementos probatórios, requereu a absolvição do acusado.
Alternativamente, requereu a fixação da pena no seu patamar mínimo (id.
187476403).
É o
relatório.
Decido.
Considerando a ausência de
preliminares e presença dos demais pressupostos processuais, passa-se à análise
do mérito.
A materialidade delitiva resta demonstrada
pelo boletim de ocorrência anexo aos autos (id. 113691320, fls. 02/03), bem
como pelo relatório policial, o qual foi incluído sob o id. 113691319. A autoria, por seu turno, restou
comprovada pela prova oral produzida nas duas etapas da persecução penal.
A informante Antônia Vicente
declarou na solenidade que: “(...)
emprestou seu telefone a Luan, uma vez que ele disse que iria ligar para sua
mãe; não ouviu as ameaças, visto que Luan se foi para baixo de algumas árvores;
sua filha Silvana questionou se ela havia emprestado o celular a Luan e
informou que ele havia a ameaçado. (...)” – termos gravados em mídia
digital.
A vítima Silvana Jessica Vicente
Breda apresentou declarações harmônicas entre si nas duas fases da persecução
penal. Em Juízo a ofendida relatou que: “(...) foi
ameaçada, mas não se recorda sobre o teor das ameaças; teve outra situação na
qual ele a ameaçou pessoalmente com faca; tem medida protetiva contra o réu;
possuem filhos em comum; (...)” – termos gravados em mídia digital.
A testemunha José Alfredo Gomes
de Oliveira, Policial Civil, declarou que: “(...)
confeccionou o boletim de ocorrência para Silvana, que dizia que o acusado
estava injuriando ela e a ameaçando; Silvana informou já ter outras medidas
protetivas o réu; (...)” –
termos gravados em mídia digital.
Por sua vez, quando interrogado
em Juízo, o acusado Luan Felicio Francelino afirmou não se recordar da prática
delitiva, destacando que: “(...) se tivesse feito isso, ela não
teria passado 3 (três) dias em Sinop/MT em sua residência; não sabe do porquê
dela ter registrado boletim de ocorrência; foi para Sinop/MT trabalhar quando
já estava separado dela há mais o menos 2 meses; (...)” – termos gravados em
mídia digital.
Diante do exposto, o conjunto
probatório, obtido em observância aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, revela-se consistente no tocante à autoria delitiva, notadamente
porquanto a versão da vítima foi uníssona nas duas etapas da persecução penal,
no sentido de que o acusado proferiu as ameaças contra ela, fazendo com que ela
temesse pela própria vida.
Além disso, importante registrar
que em crimes dessa natureza, concede-se especial relevo à palavra da vítima,
possuindo credibilidade e valor relevante à condenação quando corroboradas
pelas demais provas dos autos, o que ocorreu no presente feito, quando a vítima
confirmou em Juízo as ameaças narradas em solo inquisitivo.
Cediço que a ameaça é um crime
que se consuma no momento em que ocorre, independentemente de se concretizar o
dano que o agente pretende. Para que o crime seja caracterizado é suficiente
que a ameaça de mal injusto e futuro seja séria e adequada, provocando medo na
vítima.
Eis o entendimento
jurisprudencial: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA –
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – ART. 147, CP – APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.340/2006 – INDIVÍDUOS QUE SÃO APARENTADOS
– ACUSADO QUE É IRMÃO DO OFENDIDO E CUNHADO DA OFENDIDA – RECURSO DA DEFESA –
PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – INOCORRÊNCIA – ACUSADO QUE
ADMITIU TER ENCAMINHADO MENSAGENS DE ÁUDIOS ÀS VÍTIMAS – DEPOIMENTOS
COESOS DAS VÍTIMAS –
RECURSO DESPROVIDO. 1. A ameaça é crime formal, sua caracterização
dispensa a comprovação da intenção final do agente sendo suficiente a presença
do dolo específico de incutir temor à vítima. 2. Inobstante o apelante sustente que os supostos
áudios enviados às vítimas com conteúdo intimidador não foram acostados ao
feito, o acusado afirmou que enviou áudios aos ofendidos “falando algumas
bobagens”, afirmando que foram “da boca pra fora, que jamais tentaria alguma
coisa contra a vida dos dois”. 3. O estado de exaltação do agente não
possui o condão de excluir a imputabilidade penal em razão do estado colérico
do agente (ART. 28, I, CP). 4. Na ocasião, a palavra da vítima está corroborada
pelas declarações do próprio acusado, reforçando o que foi narrado na peça
acusatória, mostrando-se, portanto, escorreita a sentença recorrida. (N.U 1001119-81.2020.8.11.0038,
CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Segunda Câmara Criminal,
Julgado em 02/07/2024, Publicado no DJE 05/07/2024).
Assim, restou sobejamente
demonstrada a prática do crime de ameaça no âmbito das relações domésticas.
Portanto, comprovada a
materialidade e autoria delitiva, bem ainda não existindo quaisquer causas
excludentes de antijuridicidade ou culpabilidade, pois o réu era imputável à
data do fato típico, possuía potencial consciência da ilicitude e era exigível
conduta diversa, restando consubstancialmente comprovada à existência da
culpabilidade, merece acolhimento à pretensão acusatória neste ponto.
Ante o exposto, com base na
motivação supra, JULGO PROCEDENTE a exordial acusatória, para CONDENAR LUAN
FELÍCIO FRANCELINO nas
sanções do artigo 147, caput, do Código Penal, com as cominações da Lei Federal
n. 11.340/2006.
Fulcrado no princípio da
individualização das penas e atento às diretrizes do artigo 59 do Código Penal,
passo à dosimetria da reprimenda.
Na primeira fase,
a culpabilidade revela-se normal à espécie, eis que o acusado
não agiu com dolo que ultrapasse os limites da norma penal. Os antecedentes são favoráveis, uma vez que
o acusado é primário (consulta ao Sistema de Emissão de Certidão). A conduta
social e
a personalidade sem elementos nos autos para valorá-las.
Os motivos e as circunstâncias do crime são punidos pelo próprio
tipo penal. As consequências do crime são normais à espécie, não
exigindo maior reprimenda do que aquela já fixada pelo legislador. Por fim,
o comportamento da vítima demonstra-se neutro, não
requer valoração extrapenal.
Dessa maneira, fixa-se a pena base em 01 (um)
mês de detenção.
Na segunda fase,
inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas.
Na terceira fase,
inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que fixo a
reprimenda definitiva em 01 (um) mês de detenção.
Em tempo, não se mostra adequada
a exacerbação da pena em razão da embriaguez do sentenciado ou em decorrência
de ciúme excessivo, eis que não foi explorado no curso da persecução penal
eventual estado de embriaguez do ofensor. Ainda, o ciúme excessivo não foi
ressaltado, na medida em que ocorreu a ameaça, que não se concretizou, e não
houve na circunstância qualquer situação que mereça valoração negativa, porque
o contexto já é ínsito ao texto legal.
O regime prisional inicial
deve ser o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal.
Não cabe a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois o crime em apreço
foi cometido com violência e grave ameaça, não cumprindo, assim, o requisito do
artigo 44, inciso I, do Código Penal. Do mesmo modo, deixo de conceder a
suspensão condicional da pena por ser o tempo de tal medida mais grave que a própria
pena aplicada.
Considerando a pena
aplicada e o regime empregado, concedo ao réu o direito de recorrer em
liberdade, na medida em que inexistem os requisitos preventivos do artigo 312
do CPP.
Condeno-o ao pagamento de
custas e despesas processuais.
No concernente à reparação
de danos, o art. 387, inciso IV, do CPP, estabelece que nas sentenças penais
condenatórias será fixado valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração penal. No caso dos autos, trata-se de violência doméstica perpetrada
contra a mulher, os danos são in re ipsa, ou seja, presumido em razão da
natureza do abalo.
Posto isso, estabeleço o
valor de meio salário mínimo vigente na época dos fatos, equivalente ao montante
de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais) a título de danos
morais em favor da ofendida.
Intime-se a vítima na forma
do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal.
Após o trânsito em julgado,
expeça-se guia de execução penal definitiva e encaminhe-se ao juízo de execução
competente. Comuniquem-se ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins do artigo
15, inciso III, da Constituição Federal, aos Institutos de Identificação
Criminal e ao Cartório Distribuidor desta Comarca para as anotações
pertinentes, arquivando-se, em seguida, os presentes autos com as cautelas de
estilo.
Publique-se. Registre-se.
Intimem-se.
Alto Araguaia/MT, data da assinatura digital.
DANIEL DE SOUSA CAMPOS
Juiz de
Direito