ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Número Único: 0000669-67.2018.8.11.0090
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Reconhecimento / Dissolução, Regime de Bens Entre os Cônjuges]
Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA
Turma Julgadora: [DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES]
Parte(s):
[SANDRA APARECIDA DA SILVA - CPF: 875.462.641-20 (APELANTE), ELISANGELA PERAL
DA SILVA - CPF: 007.440.161-00 (ADVOGADO), IRACEMA
ALVES DE ABREU - CPF: 257.265.361-34 (APELADO), REGIS RODRIGUES RIBEIRO - CPF:
405.459.891-91 (ADVOGADO), ESPÓLIO DE ANTONIO MACEDO registrado(a)
civilmente como ANTONIO MACEDO - CPF: 384.140.311-53 (TERCEIRO INTERESSADO)]
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, UNÂNIME.
E M E N T A
Ementa: DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. DIREITO À MEAÇÃO. SUCESSÃO DE COMPANHEIRO. JUSTIÇA GRATUITA. PRELIMINAR ACOLHIDA. PARCIAL PROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta contra sentença da Vara Única da Comarca de Nova Canaã do Norte, que reconheceu a união estável, determinando a partilha dos bens com respeito à meação, mas negando o pedido de sucessão integral da autora.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) a concessão da justiça gratuita à apelante, arguida em preliminar; (ii) a comprovação da união estável entre a autora e o falecido; e (iii) a correção da partilha dos bens determinada pelo juízo de primeiro grau.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Preliminar – A justiça gratuita deve ser concedida à parte que comprovar hipossuficiência financeira, conforme artigo 98 do Código de Processo Civil. A declaração de insuficiência da apelante, acompanhada de documentos que evidenciam sua condição econômica, não foi contraditada por prova em sentido contrário, impondo-se o deferimento do benefício.
4. A Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, e o artigo 1.723 do Código Civil reconhecem a união estável como entidade familiar quando caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituição de família.
5. O conjunto probatório demonstrou a relação estável entre a autora e o falecido por mais de uma década, com depoimentos testemunhais e outros elementos que evidenciam a notoriedade da convivência.
6. A ausência de coabitação não afasta, por si só, o reconhecimento da união estável, conforme entendimento consolidado na jurisprudência.
7. A alegação de que o falecido se declarou solteiro em processo previdenciário não prevalece sobre as provas documentais e testemunhais que confirmam a união estável.
8. O regime jurídico das uniões estáveis, salvo estipulação em contrário, é o da comunhão parcial de bens (artigo 1.725 do Código Civil), sendo correta a partilha dos bens adquiridos na constância da união.
9. Mantida a sentença de primeiro grau quanto ao mérito, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios, conforme artigo 85, §11, do CPC.
IV. DISPOSITIVO E TESE
10. Preliminar acolhida. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
1. O benefício da justiça gratuita deve ser concedido quando a parte demonstra insuficiência financeira, sendo presumida a alegação feita por pessoa natural, salvo prova em contrário.
2. O reconhecimento da união estável post mortem exige prova da convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituição de família, não sendo a coabitação requisito essencial.
3. A partilha dos bens adquiridos na constância da união segue o regime da comunhão parcial, salvo estipulação diversa entre os conviventes.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 226, §3º; CC, arts. 1.723 e 1.725; CPC, arts. 98, 99, §3º, e 85, §11.
Jurisprudência relevante citada: TJMT, N.U 1001080-36.2019.8.11.0033, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, 4ª Câmara de Direito Privado, DJE 15/06/2021; TJMT, N.U 0000471-55.2017.8.11.0093, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, DJE 28/03/2023.
R E L A T Ó R I O
EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA
Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de apelação interposto por SANDRA APARECIDA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Nova Canaã do Norte que, nos autos da ação de “reconhecimento de união estável post mortem, c/c pedido de sucessão integral” julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por IRACEMA ALVES DE ABREU.
A sentença reconheceu a união estável entre a autora IRACEMA ALVES DE ABREU e ANTONIO MACEDO (falecido), determinando a partilha dos bens com respeito à meação (lote n. 16, quadra n. 130, com área de 480,00 m², localizado no município de Nova Canaã do Norte/MT, com duas casas). Contudo, negou o pedido de sucessão integral dos bens pela autora, determinando que a questão fosse resolvida no inventário, considerando possíveis dívidas e tributos. A requerida foi condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (id 250500168).
A apelante (irmã do falecido) sustenta, em síntese, que: (i) não há comprovação da existência de união estável entre a autora e o falecido, pois não houve convivência contínua e pública com intenção de constituição de família; (ii) o falecido declarou-se solteiro em processos anteriores, o que afastaria a presunção de união estável; (iii) a autora e o falecido não compartilhavam domicílio, residindo em endereços distintos; e (iv) a divisão dos bens foi incorretamente decidida, pois a apelante argumenta que o imóvel pertencia exclusivamente ao falecido e não poderia ser objeto de partilha .
Contrarrazões pela apelada, pela não concessão da justiça gratuita em sede de preliminar, e, no mérito, sustenta que ficou devidamente comprovada a existência da união estável, conforme depoimentos colhidos durante a instrução, além do reconhecimento do próprio juízo de primeiro grau da convivência duradoura, pública e contínua do casal (id 250500179).
É o relatório.
V O T O R E L A T O R
VOTO (PRELIMINAR)
EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA
Egrégia Câmara:
A apelante pleiteia a concessão do benefício da justiça gratuita, argumentando que há nos autos elementos suficientes para demonstrar sua hipossuficiência financeira, incluindo declaração específica, comprovante de renda, declaração de imposto de renda e extrato bancário (ID 2504999214).
Nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil, a gratuidade da justiça é direito assegurado à parte que comprove impossibilidade de arcar com as despesas processuais sem comprometer seu sustento. O §3º do artigo 99 do CPC, que dispõe que: “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”, salvo se houver elementos nos autos que afastem essa presunção.
No caso concreto, a recorrente apresentou declaração de hipossuficiência, comprovante de renda e extrato bancário. Não há nos autos qualquer elemento que demonstre a falsidade dessa alegação ou a existência de recursos suficientes para suportar as despesas processuais. A assistência de advogado particular não é, por si só, suficiente para afastar o benefício da justiça gratuita.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MORAL - JUSTIÇA GRATUITA REVOGADA NA SENTENÇA – INCAPACIDADE FINANCEIRA DEMONSTRADA – REESTABELECIMENTO - MANUTENÇÃO DE GRAVAME APÓS A QUITAÇÃO DO FINANCIAMENTO- - DIREITO À INDENIZAÇÃO NÃO EVIDENCIADO – CONDENAÇÃO AFASTADA – TEMA 1078 DO STJ – DANO NÃO IN RE IPSA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
A revogação do benefício da justiça gratuita depende da demonstração de alteração substancial das condições econômicas da parte, sem o que, é defeso fazê-lo.
A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça (§4º do art. 98 do CPC). [...] (N.U 0000471-55.2017.8.11.0093, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/03/2023, Publicado no DJE 28/03/2023)
Dessa forma, preenchidos os requisitos legais e ausente qualquer prova em sentido contrário, deve ser concedido o benefício da gratuidade da justiça à apelante.
VOTO (MÉRITO)
EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA
Egrégia Câmara:
O presente recurso de apelação, interposto por Sandra Aparecida da Silva, impugna sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Nova Canaã do Norte, que reconheceu a união estável entre a apelada, Iracema Alves de Abreu, e o falecido Antônio Macedo, determinando a partilha dos bens adquiridos durante a constância da relação. A recorrente, irmã do falecido, alega inexistência de união estável e pleiteia a reforma da decisão, sustentando a exclusividade da propriedade dos bens em nome do falecido.
A controvérsia recursal centra-se na existência da união estável entre Iracema Alves de Abreu e Antônio Macedo e nos efeitos patrimoniais decorrentes desse reconhecimento.
A Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, reconhece a união estável como entidade familiar quando caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituição de família. O artigo 1.723 do Código Civil reitera esses requisitos, estabelecendo os parâmetros para sua configuração.
No caso em análise, a sentença reconheceu a união estável post mortem com base em farto conjunto probatório, que evidencia a convivência entre a autora e o falecido por período superior a dez anos, consolidando-se como uma relação estável e com intuito familiar.
O depoimento da própria apelante é decisivo para esse reconhecimento. Em juízo, a recorrente admitiu que a autora e o falecido mantiveram relacionamento afetivo duradouro e que, inclusive, um dos imóveis objeto da lide foi construído pelo falecido para a autora. Esse fato é reforçado pelas declarações testemunhais colhidas em juízo (Sras. Rosa Alves e Valdete Maria), que confirmam a notoriedade da relação e sua continuidade ao longo dos anos, mencionando que teve início quando os filhos da autora ainda eram pequenos, o que reforça a longevidade da convivência alegada.
Ademais, em ação de reintegração de posse anteriormente ajuizada pela apelada (processo n. 0001419-69.2018.8.11.0090), já havia sido reconhecido que a relação se estendeu por mais de uma década, com a construção conjunta de patrimônio. Essa decisão corrobora os demais elementos probatórios constantes dos autos, reforçando a caracterização da união estável (ID 111123301).
A apelante argumenta que a inexistência de coabitação afastaria a configuração da união estável, no entanto, esse entendimento não se sustenta. A jurisprudência reconhece que a coabitação não é requisito essencial para a caracterização da união estável, podendo esta ser comprovada por outros elementos que demonstrem a existência de um vínculo conjugal consolidado e duradouro. Confira:
APELAÇÃO CÍVEL - UNIÃO ESTÁVEL - MORTE DO ALEGADO COMPANHEIRO - RELAÇÃO PÚBLICA COM ESTABILIDADE E CONTINUIDADE – INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA - REQUISITOS LEGAIS IMPLEMENTADOS – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO
O reconhecimento da união estável exige prova sólida de convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, para que se implemente os requisitos do art. 1.723 do CC.
A falta de coabitação em tempo integral não tem o condão de afastar o reconhecimento da existência da entidade familiar, se presentes os requisitos legais à sua constituição como ocorre, precisamente, no caso vertente. (N.U 1001080-36.2019.8.11.0033, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, GUIOMAR TEODORO BORGES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/06/2021, Publicado no DJE 15/06/2021)
Ainda, a alegação de que o falecido se declarou solteiro em audiência de instrução em ação previdenciária (processo nº 413-32.2015.811.0090 – Vara Única da Comarca de Nova Canaã do Norte) não tem força suficiente para infirmar o conjunto probatório que demonstra a união estável. Declarações isoladas, sobretudo em contextos administrativos, não afastam os elementos concretos que evidenciam a existência da relação.
Portanto, a decisão de primeiro grau deve ser mantida no que tange ao reconhecimento da união estável, visto que há comprovação inequívoca dos requisitos exigidos pela legislação.
No que se refere à partilha dos bens, a sentença constatou a aquisição de dois imóveis ao longo da união, reconhecendo, com acerto, o direito de ambos os conviventes à divisão igualitária do patrimônio.
O regime jurídico das uniões estáveis, salvo estipulação em contrário, é o da comunhão parcial de bens, conforme artigo 1.725 do Código Civil. Assim, os bens adquiridos na constância da união pertencem a ambos os companheiros em igualdade de direitos.
A apelante defende que os bens pertenciam exclusivamente ao falecido, argumento que não encontra respaldo nos autos. O depoimento das testemunhas e as provas documentais indicam que a aquisição e construção dos imóveis foram fruto do esforço comum do casal. Inclusive, a própria recorrente, em seu depoimento pessoal, manifestou a intenção de ceder à autora 50% do valor de um dos imóveis, reconhecendo, ainda que implicitamente, o direito da autora à meação.
Dessa forma, a sentença recorrida aplicou corretamente as disposições legais, assegurando à apelada o direito à partilha dos bens nos termos do regime de comunhão parcial, conforme estabelece a legislação civil.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO apenas para deferir à apelante os benefícios da justiça gratuita.
É como voto.
Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/03/2025