22/8/2008
Sentença com resolução de mérito própria – não padronizável proferida fora de audiência Proc. nº. 34/2004. Vistos etc. Noemi Lemos de Biasio e Juliana Aparecida Corpa ingressaram com a presente reclamação em face de Claudemir José Kalsing, qualificados nos autos, alegando que no dia 06/07/2004, por volta das 16:25 horas, houve um acidente automobilístico entre a motocicleta conduzida pelo filho e convivente das requerentes (Rodrigo Alessandro de Biasio) e o caminhão da Transportadora Transmire, de propriedade do requerido e conduzido pelo empregado Claudinei Lopes dos Santos, sendo que desse acidente o Sr. Rodrigo Alessandro de Biasio veio a óbito. Alegam as requerentes que o acidente se deu por culpa do empregado do reclamado, uma vez que empreendeu manobra incorreta em ultrapassagem, causando nas requerentes danos materiais, consistentes na indenização da motocicleta no valor de R$ 6.000,00, auxílio com um salário mínimo mensal para com a filha do de cujus até que complete 25 anos de idade (300 meses), posto que o falecido recebia mensalmente este valor; bem como danos morais a ser arbitrados por este juízo (fls. 02-11). Juntou documentos em fls. 14-23. Devidamente citado em fls. 29/30, a conciliação restou frustrada sem o acordo entre as partes (fls. 31/32). O reclamado apresentou contestação em fls. 34-46 aduzindo que seu empregado efetuou a manobra com a cautela necessária, porém o falecido vinha em alta velocidade, com o farol apagado, não se atentando para o veículo do réu na pista, muito menos percebendo o sinal à esquerda dado pelo caminhão, sendo sua culpa exclusiva pelo acidente em que faleceu. Consigna ainda que o falecido estava sem a viseira do capacete, o que lhe dificultava a visão pelo vento, não possuindo carteira de motorista e, segundo comentários, estava embriagado no dia dos fatos, devendo tal situação ser levada em consideração quando da sentença. Sucessivamente, sustenta a tesa da culpa concorrente, devendo ser distribuída proporcionalmente as culpas e o montante da indenização. Quanto ao pedido de indenização por danos materiais referente a pensão para a filha menor, considerando que a mesma não é parte neste feito, entende vedada a indenização, nos termos do art. 6º, do CPC, entendendo ser o caso de se pleitear o benefício diretamente do INSS. Afirma ainda que o réu não possui condições financeiras para realizar o pagamento. Sucessivamente, sustenta que em caso de eventual condenação, 1/3 do montante deve corresponder a valor que o falecido gastava consigo mesmo, devendo a indenização incidir apenas em 2/3 dos rendimentos e de acordo com a necessidade e disponibilidade das partes. Quanto a indenização da motocicleta, apesar de entender não ser a culpa do reclamado, entende que se eventualmente condenado o valor da motocicleta não pode ultrapassar o valor de mercado, qual seja - R$ 4.000,00. Impugna ainda os valores pleiteados em danos morais. Requer a compensação pelo valor já recebido pelo seguro obrigatório. Formula pedido contraposto pelos gastos que teve no evento, totalizando o montante de R$ 1.670,00, bem como por danos morais que vem passando juntamente com sua família após o acidente, sendo o falecido o único responsável pelo evento. Juntou documentos em fls. 50/51. As autoras impugnaram a contestação em fls. 54-67. Designada audiência de instrução (fls. 52/53), esta se realizou em fls. 87, ouvindo-se as partes em depoimento pessoal e testemunhas (fls. 88-101), apresentando alegações finais remissivas a inicial e contestação em fls. 102-112 e 113-116. Em fls. 119 foi suspenso o feito para aguardar o processo criminal sobre os fatos, sendo que a sentença do mesmo foi juntada aos autos em fls. 128-136, absolvendo o motorista por falta de provas, o que não vincula este feito, nos termos do art. 66, do CPP. Sem mais provas a serem colhidas, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Decido. Trata-se de ação por acidente automobilístico em que as requerentes, genitora e convivente do falecido, argumentam que o acidente se deu por culpa do empregado do reclamado, uma vez que empreendeu manobra incorreta em ultrapassagem, requerendo 1 - indenização da motocicleta no valor de R$ 6.000,00; 2 - auxílio com um salário mínimo mensal para com a filha do de cujus até que complete 25 anos de idade (300 meses); e 3 - danos morais a ser arbitrados por este juízo. Por sua vez o reclamado sustenta, preliminarmente, ilegitimidade ativa quanto ao pedido de pensão para a filha menor, nos termos do art. 6º, do CPC; e, no mérito, sustenta que a culpa foi exclusiva do falecido uma vez que vinha em alta velocidade, com o farol apagado, estando sem a viseira do capacete o que dificultava a visão no vento; e embriagado. Desenvolve a tese sucessiva da culpa concorrente; impugna o valor da motocicleta ao máximo de R$ 4.000,00, bem como o valor dos danos morais; requer a compensação do montante recebido em seguro obrigatório. Ao final formula pedido contraposto por danos materiais em R$ 1.670,00, bem como por danos morais. Preliminarmente, no que tange a ilegitimidade ativa sustentada pelos reclamados, uma vez que o pedido foi formulado em nome próprio da genitora e convivente do falecido, apenas no que tange ao pagamento da pensão para a filha do mesmo, entendo que este argumento do reclamado prospera. Não cabe aqui discutir se a genitora tinha ou não poderes para representação, porque disto não se trata. Ocorre que a genitora ingressou com ação em nome próprio, e não da filha, representando esta, não podendo, desta forma, sendo autora da demanda, pretender receber pensão em nome da filha. Incide no caso a vedação contida no artigo 6º, do CPC, que assim dispõe - "Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei". Com isso, diante da ilegitimidade ativa apenas no que tange ao pedido de pensão à filha da vítima, extingo neste tópico processo sem resolução de mérito, consignando que poderá esta filha, devidamente representada pela sua genitora, querendo, renovar o pedido em ação própria, uma vez que quanto a mesma não corre a prescrição nos termos dos artigos 198, inc. I; c/c 200, ambos do CC/02. Ademais, entendo que os pedidos contrapostos do reclamado também foram feitos contra parte ilegítima, uma vez que, mesmo se a vítima for considerada culpada no acidente, apenas desta poderiam os reclamados pleitear indenização. No direito brasileiro não existe transmissão da obrigação post mortem em razão de parentesco, nos termos do artigos 1.792; c/c 1.997, ambos do CC/02. Caso o falecido tivesse muitos bens, repito - se constatada a culpa exclusiva da vítima, poderia o reclamado ingressar com ação contra o espólio, limitando-se o valor recebido às forças da herança, não sendo este o caso dos autos, extinguindo também, desde já, os pedidos contrapostos ante a ilegitimidade. Ingressando no mérito propriamente dito, ou seja, quem teve a culpa do acidente, uma vez que este é inconteste, e analisando a prova contida nos autos, não tenho como deixar de reconhecer a culpa concorrente. Ora, se de um lado a vítima não tinha carteira para dirigir o veículo em que estava, consoante depoimento de fls. 88 de sua genitora, ratificado pela sua convivente fls. 90; de outro lado o empregado do reclamado também não tinha habilitação necessária para conduzir o veículo em que estava, consoante declarado na sentença de fls. 133/134. Contudo, a jurisprudência dominante fixa o entendimento de que a simples inabilitação não gera a culpa necessária, voltando então a estaca zero. Nesse sentido: “(...). A ausência de habilitação do condutor do veículo não gera presunção de culpa pelo acidente, incumbindo, ao autor, o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, na forma do art. 333, I, do CPC.(...)”. (TJDFT – APC 20030410055515 – 2ª T.Cív. – Relª Desª Carmelita Brasil – DJU 19.12.2006 – p. 104). A testemunha ouvida em fls. 93, assim como a testemunha ouvida em fls. 98, acreditam que a motocicleta vinha em alta velocidade, em razão da metragem das frenagens na pista. Se não bastasse, a testemunha ouvida em fls. 100 acredita que o rapaz da motocicleta estava embriagado, situação essa também constatada na sentença de fls. 132. Temos então, de um lado, parte da culpa da vítima, que vinha em alta velocidade e possivelmente embriagado. Nada temos nos autos de prova quanto ao sustentado farol apagado da motocicleta, ou a ausência de viseira no capacete dificultando a visão pelo vento, ficando tais fatos apenas na argumentação do reclamado, impugnada pelo reclamante. Por outro lado, analisando o croqui de fls. 15, bem como o depoimento da testemunha de fls. 96 que afirma que o caminhão "fez a conversão, dando seta, também devagar, mas não chegou a parar do lado direito da pista", não há como isentar o motorista do caminhão de culpa, uma vez que pelo artigo 37, do Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503/97), deveria o mesmo ter aguardado do lado direito da pista e, apenas tendo o domínio completo do fato, efetuado a manobra. Os dispositivos supracitados aduzem que: Art. 37 – “Nas vias providas de acostamento, a conversão à esquerda e a operação de retorno deverão ser feitas nos locais apropriados e, onde estes não existirem, o condutor deverá aguardar no acostamento, à direita, para cruzar a pista com segurança”. A simples sinalização, por si só, não retira também a responsabilidade do reclamado e de seu motorista, uma vez que pelo dispositivo supracitado quem pretende convergir deve ter segurança absoluta de que nenhum outro veículo pretende ultrapassá-lo, dando sempre preferência. Na dúvida deve esperar do lado direito da pista, que não aconteceu. Assim sendo, ocorrendo culpa concorrente e de relevância proporcional, entendo que o valor da indenização por danos morais, bem como pelo valor da motocicleta, devem ser reduzidos pela metade, nos termos do artigo 945, do CC/02. No que tange ao quantum debeatur, considerando a gravidade do acidente, advindo vítima fatal; considerando que a família da vítima ficou destruída, retirando o filho de sua genitora, deixando viúva e filha órfã; considerando a capacidade financeira superior do reclamado em comparação as reclamantes; e considerando os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, bem como da eqüidade que regem este Juizado Especial, nos termos do artigo 6º, da lei 9.099/95, entendo prudente fixar o valor da indenização por danos morais em R$ 80.000,00, reduzindo-o na metade em razão da culpa concorrente, nos termos do artigo 945, do CC/02, fixando definitivamente o valor dos danos morais em R$40.000,00 desde o evento – art. 398, do CC/02. No que tange ao valor da motocicleta, nenhuma prova há nos autos de seu valor exato, senão o valor confessado pelo próprio reclamado em fls. 43 no montante de R$4.000,00, valor este que mantenho a título de indenização por danos materiais, também reduzido na metade (R$ 2.000,00) em razão da culpa concorrente (art. 945, do CC/02), devidamente atualizado desde o a data do fato (art. 398, do CC/02). Por fim, no que tange ao pedido de compensação do montante já recebido em seguro obrigatório, considerando que a própria genitora da vítima confirma que houve o recebimento em fls. 88, depoimento este ratificado pela própria esposa em fls. 90, e nos termos da Súmula 246 do STJ dispondo que “O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada”, entendo que este valor deve ser realmente compensado, tomando por consideração o valor atual de R$ 13.500,00 (art. 3º, inc. I, da lei 6.194/74, com a redação dada pela lei nº 11.482/07), sem atualização pretérita, evitando a incidência do bis in idem, uma vez que não sabemos quando as requerentes o receberam, não podendo a sentença do juizado conter parte ilíquida (art. 38, § único, da lei 9.099/95). Posto isso, e sem maiores delongas, extingo o pedido de pensão para a filha da requerente, bem como os pedidos contrapostos, ante a ilegitimidade de parte, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC. Julgo ainda parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando o reclamado Claudemir José Kalsing ao pagamento da quantia de R$ 42.000,00 às reclamantes Noemi Lemos de Biasio e Juliana Aparecida Corpa, ambos qualificados nos autos, em razão dos danos morais e materiais (motocicleta), devidamente atualizados e com juros de 1% ao mês desde o evento (art. 398, do CC/02), compensado com o valor do seguro DPVAT atualmente fixado em R$ 13.500,00 sem correção retroativa (Súmula 246, do STJ), extinguindo o processo com resolução de mérito nestes tópicos, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC. Sem custas ou despesas processuais (art. 55, da lei 9.099/95). Transitada em julgado e não havendo requerimento de cumprimento de sentença, arquive-se nos termos do art. 475-J, § 5º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. De Terra Nova do Norte para Nova Canaã do Norte/MT, 22 de agosto de 2008. Érico de Almeida Duarte Juiz de Direito.
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